1. 01 - Pagode Mouro Braia 3:25
  2. 02 - Ponta do Morro Braia 2:07
  3. 03 - Vertente Braia 2:50
  4. 04 - Ventura Braia 2:12

Sobre o álbum

Neste trabalho que disponibilizo agora digitalmente, um EP com quatro faixas, chamado ‘Vertente’, abro uma nova picada em minha carreira explorando novos ritmos, abordagens e saberes musicais, uma nova vertente. Essa experiência é um ensaio para uma obra maior, um álbum completo com diversas faixas que estou elaborando tendo a viola caipira como guia.

Mesmo não sendo um violeiro raiz e este não sendo meu primeiro ou principal instrumento, me encantam as inúmeras possibilidades e horizontes que a viola me traz, seja pelo timbre, por um ou outro ritmo, ou mesmo o desafio de explorar este instrumento em diferentes  circunstâncias e searas musicais e, ainda mais, me provocar sondando um saber técnico tão
diferente daqueles que estou acomodado, isso tudo me inspira demais.

O álbum em si terá suas peças referenciando alguma localidade, lugarejo ou região de Minas Gerais e terá como nome ‘ Vertentes de lá e cá’, pois embora a viola seja o instrumento chefe do disco e isso por si só evoque brasilidade, não me desvencilharei da bagagem tradicional irlandesa que me acompanha há tanto e que também é uma expressão regional e até caipira, né? Porém de outros lados … Daí, nada melhor que unir os títulos dos dois trabalhosanteriores do Braia, o primeiro álbum , ‘…e o mundo de lá’, que reverenciava a cultura do outro, o irlandês celta e feérico, e o segundo, ‘… e o mundo de cá’, que exaltava a brasilidade, a mineiridade e o calor dos trópicos.

O EP poderia se chamar ‘Vertente Rio Abaixo’, pois todas estas faixas são frutos de meus estudos e ensaios utilizando a afinação ‘Rio Abaixo’ da viola caipira, afinação que, segundo a cultura popular, seria obra do Diabo, que costumava descer os rios tocando viola nessa afinação e, com ela, seduzindo as moças e as carregando rio abaixo. Do violeiro que utiliza esta afinação diz-se, eventualmente, que pode estar enfeitiçado ou ter feito um pacto com o demônio, será? Porém trata-se de uma afinação de origem portuguesa, oriunda da região de Amarante, que é também a região do santo padroeiro dos violeiros, São Gonçalo, e é também a afinação mais usada nas regiões centrais e norte de Minas Gerais.

Acredita-se que tal afinação deva ter chegado a Minas tanto por migrantes do nordeste, que pra cá vieram no fim do século XVII e início do XVIII, quanto por migrantes do próprio Portugal, no povoamento da região durante o chamado ciclo do ouro. Espero que vocês gostem do resultado e que já aguardem por mais pagodes e barulhos tranquilos por aqui. Até então, vamos às músicas:

1 - Pagode Mouro

O elemento ibérico é fator constituinte da identidade brasileira, assim como a cultura e saberes dos povos originários e dos povos de África que, neste caldeirão formidável e porque não dramático da colonização, gerou nosso povo. A Península Ibérica foi conquistada e dominada durante séculos por muçulmanos, originários do noroeste da África, chamados mouros. O reinado mouro na península durou quase 700 anos e a incorporação dos elementos árabes na cultura, música e imaginário daquele povo europeu se fez muito forte, tornando a produção daquela região, inclusive sua música, algo muito peculiar desde a Idade Média. Um destes substratos assimilados e enraizados por aqui é o uso do modo mixolídio nas obras musicais, um modo que remete o ouvinte diretamente ao oriente, ao imaginário islâmico e afins, sendo este o elemento ‘mouro’ contido no título da música, já o pagode, esta vertente
entre os ritmos sertanejos e caipiras, criado pelo mítico Tião Carreiro (natural do norte de Minas) é um dos mais emblemáticos e personalíssimos caracteres da viola caipira. Misturei estas duas instâncias e sapequei um ‘Pagode Mouro’.

2 - Ponta do Morro

Este era o nome dado a uma das primeiras regiões povoadas de Minas Gerais, que ficava ao pé da Serra de São José( linda serra que hoje divide as cidades de Tiradentes e Prados). Há referência a esta localidade, Ponta do Morro, nos primeiros relatos sobre Minas Gerais, inclusive no clássico ‘Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas’, de Antonil, no ano de 1711. Com a abundância de ouro encontrado na região do Rio das Mortes, logo formou-se um arraial, o Arraial de Prados, de onde, num curto lapso temporal, saíram muitas figuras que participaram da Inconfidência Mineira, inclusive a única mulher que realmente participou da conjuração, Hipólita Jacinta Teixeira de Mello, de quem sou parente, pois minha família materna tem suas raízes em Prados, descendo dos Mello de Prados. Ponta do Morro também era o nome da fazenda de Dona Hipólita, onde se acredita terem acontecido alguns encontros dos inconfidentes.

3 - Vertemte

Esta obra é uma que se aproxima mais do que já faço há muito tempo que é o manuseio da matéria irlandesa, da música tradicional irlandesa colocando-a em dialogo com outras expressões e gêneros musicais: o rock, a mpb, o erudito etc. Aqui temos duas jigas guiadas pela viola( a jig é um dos ritmos tradicionais da música irlandesa), a primeira tocada na afinação cebolão em Ré e a segunda em Rio Abaixo. Este segundo movimento, a jiga em Rio Abaixo, é uma variação de um tema que compus pro Tuatha, chamado ‘Nick Gwerk’. Nicholas Georg Gwerk foi um irlandês que participou da Inconfidência Mineira. Este irlandês viveu em Minas Gerais em grandes vilas à época como Sabará e Diamantina, inclusive trabalhou na administração diamantífera. Estranho é que pela constituição vigente ele nem poderia entrar na Capitânia de Minas Gerais, pois a coroa portuguesa, no intuito de proteger as minas de ouro e diamantes da região, não permitia a entrada de estrangeiros em seu território, apenas cidadãos lusos tinham esse direito. Mas, fato é que ele aqui viveu por um tempo e acabou sendo preso na cadeia de Vila Rica( hoje Ouro Preto) como partícipe do crime de inconfidência contra o Rei/Rainha, ao lado de Tiradentes.

4 - Ventura

Uma peça com influências eruditas, latinas, com cheiro portenho à lá Piazolla e também comandada pela viola caipira em Rio Abaixo. Ventura é o acaso, a sorte enquanto condição potencial, mas pode ser também, alguém poderá dizer, quem sabe, uma homenagem a Ventura Mina, um escravizado que liderou um levante dos seus em prol de sua liberdade no Termo de Carrancas há dois séculos, no que passou à História como ‘Revolta de Carrancas’.

Agradecimentos:

“Agradeço imensamente ao apoio de Cláudio Ferri, João Batista(Borginho), Sirley Borges e a Benedito Correa Brito. Valeu demais, pessoal!”

Vertente

Release Date : 15 de dezembro de 2023
Artist : Braia
Genres : Instrumental, Música Brasileira, Música Irlandesa, Rock Progressivo
Format : Digital Download